´tás a falar assério? XLI – daguerreótipos
Com as mãos enegrecidas é que se ganha o pão branco
Rua Daguerre. Paris. 70´s. Agnès Varda. Debaixo do seu nariz, a 50 metros da porta, toda uma vida(s) que depende do que possa vir a acontecer. Abrem-se as cortinas de madeira pela manhã que parece a de ontem, ou a de anteontem? As montras já não se lembram há quanto tempo habitam alguns dos produtos. Uma câmara circula pelo interior de várias lojas, despoletando olhares curiosos, mas carregados, do tipo, que interesse tem isto para andar por aqui uma câmera? Um docinho que me foi deixado, não fosse a futilidade a protagonista. Fico feliz por ver que o bom e velho Ajax já servia naqueles tempos, não com o mesmo formato, nem sei se com as mesmas funções. Como se João só houvesse um. Tranquilizou-me a proximidade da polícia à comunidade, sendo a última detenção difundida à sussurrada, à porta dum estabelecimento. É-me estranho, aos olhos de hoje, ver trabalhar pelo gosto de agradar os outros. Um comerciante que aguenta uma cliente exigente, que vai estendendo e recolhendo os trocos, à medida que nascem as dúvidas quanto ao produto. Um talhante que arranja para o cliente especial a melhor carne ao melhor preço. A costureira que entrega os lençóis radiante, sabendo que é sobre eles que se vão deitar. O alfaiate que trabalha à medida exata do corpo, por forma a conter o ego inflado de um bom fato. Acho que os nossos sonhos se misturam com nosso trabalho. Não há mais mundo que conheçam, a não ser aquele de que se alimentam diariamente. A esposa Marcelle, que deambula sem expressão pelas filmagens, falando baixinho para si, é a única que parece ter noção que os carros circulam além Daguerre, mesmo em dia útil, apesar de não conseguir desprender-se das funções que ocupa num tempo que não passa.
Além 45´
Marcelle e Léonce Debrossian estabeleceram-se na Rua Daguerre em 1933. A sua loja “An Chardon Bleu”.