́´tás a falar assério? XLII – vai-se andando, cavalgando
Não bastou ir embora sem me pagar, estou sem carroça… Ia pagar a multa com o quê? (...) Em quem se pode confiar? (...) Eles sabem ler, eles sabem como mentir! (...) Agora aqui estou sem nada! Ontem foi igual, antes de ontem foi igual… (...) Não, isso é a prisão! É isso! Isso é a vida moderna!
O Carroceiro | Borom Sarret (1963), de Ousmane Sembène
45´
*Falava-se de Lisboa:
do seu cosmopolitismo;
da sua multiculturalidade;
das andanças nos transportes públicos;
das linhas de metro;
de cada estação estar cuidada à imagem da classe social dominante na zona;
das clivagens sociais estarem representadas nos passageiros que circulam dentro de uma área restrita às suas possibilidades;
de um bairro habitado exclusivamente por franceses, em Campo de Ourique (daqueles que se atrevem a subir a parada);
de um amigo que vive na Holanda, feliz da vida, que já ao tempo que não vê um pobre e lhe sente o cheiro (sabe que não são coisas que se digam). Custa-lhe saber que há quem sofra de desigualdades. Se não toca, não se aleija, nem arde pela falta de higiene;
e de Lisboa já ter dos melhores restaurantes da Europa, mas que não são para todos.
Lembro-me de dizer que gostava de ser rico para sustentar um luxo: o de ser conduzido para evitar o caos do trânsito lisboeta. Sim, porque sei que mesmo com a possibilidade de sustentar esse luxo, o meu destino seria a periferia.
*Aproxima-se o verão, e com ele o regresso às tardes na salina. Adoro-as. Durante as férias balneares, em repouso do exigente trabalho de intelectual universitário, faço uma perninha na produção de umas pedras de sal para o bife, para o peixe escalado, e para o que seja feito do seu apetite. É um trabalho duro, exigente, mas alegre em camaradagem. São alguns os curiosos (de tipo especial) que param para a foto**. Também são alguns os clientes que, com as mãos à cintura, apostam na atividade como sendo o novo ginásio, em que ainda se ganha umas coroas e se apanha sol. Olham-nos com aquele olhar de quem presta caridade. Reclamam pelo saco de sal de 20 quilos custar 5 euros. Não faz isso mais barato? Eu fazia. Fazia-o a caminhar pelo esteiro, com o carro-de-mão carregado, até ganhar para ele.
27´
** Um apontamento que escrevi, aqui há tempos, e que recupero pela ocasião oportuna.
Flash
Abrandaram. Estacionaram. Saíram. Em pose. Fotografaram-se nas salinas. Trabalhadores esforçados ao fundo. Tornaram à viatura. Partiram.
Legenda: «Uma tarde fabulosa nas salinas. Suados pelo trabalho, tocados pela experiência. A repetir.»
Publicaram nas redes o flash instantâneo.